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SP - Litoral,18/10/2024

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    Proteína do novo coronavírus torna célula infectada invisível ao sistema imune

    Fonte: revistapesquisa.fapesp.br
    Proteína do novo coronavírus torna célula infectada invisível ao sistema imune

    NIAIDImagem de microscopia eletrônica do novo coronavírus, com sua coroa (em alaranjado) formada por cópias da proteína spikeNIAID


    São muitas as maneiras pelas quais o novo coronavírus escapa do sistema de defesa. Talvez a mais conhecida seja pelas alterações aleatórias que ocorrem em uma das proteínas de sua superfície, a spike (S). Essa proteína forma ao redor do vírus uma estrutura que, ao microscópio eletrônico, lembra uma coroa (daí o nome coronavírus) e é reconhecida por anticorpos do sistema de defesa após uma primeira infecção. Alterações que surgem ao acaso na spike à medida que o vírus se replica podem fazê-lo passar despercebido ao sistema imune. Agora, uma equipe de pesquisadores da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, da qual participa a brasileira Marcella Cardoso, identificou outra estratégia, que permite ao vírus não ser detectado já na primeira infecção e pode explicar por que em alguns casos ele se multiplica com tanta rapidez e leva as pessoas a adoecerem gravemente e até morrer, em especial quando não vacinadas.


    “O vírus consegue sabotar um braço importante do sistema imune, a ação de células chamadas linfócitos natural killer [NK]”, conta Cardoso, que faz estágio de pós-doutorado na Escola de Medicina de Harvard e é uma das autoras principais do artigo, publicado em maio na revista Cell.


    Ao invadir uma célula humana, o vírus dispara uma série de reações. Uma delas leva a célula a sinalizar para o sistema de defesa que está infectada. A célula com vírus transporta uma proteína chamada MIC (proteína relacionada ao complexo principal de histocompatibilidade classe I) de seu interior para a superfície, onde a MIC funciona como uma espécie de bandeira indicadora da invasão. A MIC exposta é, então, reconhecida pelos linfócitos NK, que iniciam a destruição da célula doente.


    Cardoso e colaboradores verificaram que uma das proteínas do novo coronavírus, a ORF6, impede essa sinalização. Ela varre as proteínas MIC da superfície da célula infectada, o que a faz parecer com uma célula saudável, imperceptível para os linfócitos NK. Como consequência, o vírus continua se replicando sem interrupções, o que piora o quadro infeccioso e aumenta a gravidade da doença.


    “As células NK são importantes porque agem rapidamente, ao contrário dos anticorpos, que demoram algum tempo para ser produzidos após o contato do sistema de defesa com o vírus”, observa o virologista José Luiz Módena, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que não participou do estudo. Segundo o pesquisador, os linfócitos NK não atacam especificamente os patógenos, mas as células em estresse – o que é sinalizado pelas proteínas MIC.


    Módena lembra que outros mecanismos permitem ao Sars-CoV-2 escapar dos diversos braços do sistema imune. Nos pulmões, por exemplo, o vírus, ao penetrar nas células, induz mecanismos que impedem a identificação do seu material genético e sua destruição. Ele também invade células de defesa chamadas macrófagos, que, uma vez infectadas, perdem sua função original de englobar e destruir as células contendo o Sars-CoV-2. Além disso, mutações no gene que codifica a proteína S do vírus impedem que ele seja reconhecido pelos anticorpos (produzidos em infecções anteriores ou pela vacinação) e por outros tipos de linfócitos, que destroem as células infectadas ao reconhecer pedaços do vírus.


    “O trabalho atual descreve um mecanismo até aqui desconhecido pelo qual o coronavírus escapa do sistema imune e abre a possibilidade de se desenvolver um novo tipo de tratamento para a Covid-19”, afirma Módena.


    Cardoso identificou o efeito da ORF6 depois de testar potenciais alvos entre as 29 proteínas do vírus. Eles suspeitaram de sua importância porque essa proteína é evolutivamente conservada e existe em todos os coronavírus que infectam morcegos. “Imaginamos que ela deveria ser importante para a sobrevivência do vírus em animais e teria sido útil quando ele passou a infectar os seres humanos”, relata Cardoso, que, em seu trabalho, contou com a colaboração de pesquisadores de outros grupos da Unicamp.


    Em Harvard, com um laboratório de alto nível de segurança à disposição, ela trabalhou com células infectadas de pacientes que tiveram a forma grave de Covid-19, inclusive brasileiros. Cardoso observou que, no sangue dessas pessoas, havia quantidades elevadas de proteínas MIC, removidas das células pelo novo coronavírus. Ela mostrou que a proteína ORF6 do vírus era responsável pela limpeza das MIC e por tornar as células infectadas por ele invisíveis aos linfócitos NK ao usar o anticorpo monoclonal 7C6. Esse anticorpo adere à base da MIC e bloqueia a ação da ORF6. Com a ORF6 fora de ação, a MIC passou a sinalizar a invasão normalmente para os linfócitos NK.


    “Ao mesmo tempo que demonstramos a função da ORF6, identificamos uma possível nova estratégia de tratamento”, explica Cardoso, que trabalhava com câncer de mama nos últimos anos e momentaneamente mudou de área após a morte de seu pai por Covid-19, em março de 2021. Atualmente o anticorpo 7C6 está sendo testado em animais geneticamente modificados para verificar se essas moléculas ajudam a manter a função dos linfócitos NK e a inibir a replicação do vírus.


    “Caso se mostre eficaz, o uso desse anticorpo pode se tornar uma alternativa interessante, embora cara, para o tratamento dos casos graves”, comenta Módena. Segundo o virologista da Unicamp, os medicamentos usados hoje funcionam bem no início da infecção, mas não nos casos mais graves, depois que ela está instalada. “Se, de fato, potencializar a resposta imunológica contra o vírus, esse anticorpo talvez possa se mostrar uma opção para tratar a covid longa”, propõe.


    Artigo científico

    HARTMANN, J. A. et al. Evasion of NKG2D-mediated cytotoxic immunity by sarbecoviruses. Cell. v. 187, n. 10, p. 2393-410. 9 mai. 2024.




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