Câmara aprova proposta que altera regras para licitação em caso de calamidade pública
A Câmara dos Deputados aprovou nesta quinta-feira (29) projeto de lei que prevê a dispensa de licitação para compras e obras, inclusive de engenharia, e muda outras restrições legais quando isso for necessário para enfrentar emergencialmente os efeitos de estado de calamidade pública. A matéria será enviada ao Senado.
O Projeto de Lei 3117/24, dos deputados PT José Guimarães (CE) e Marcon (RS), incorporou o conteúdo da Medida Provisória (MP) 1221/24 sobre o mesmo tema.
Na votação do texto, o relator, deputado Bohn Gass (PT-RS), juntou também a MP 1216/24, que destina R$ 2 bilhões para desconto em empréstimos de micro e pequenas empresas e produtores rurais atingidos pelas enchentes no Rio Grande do Sul.
As regras excepcionais de licitação foram pensadas em razão dos efeitos das enchentes em maio deste ano no Rio Grande do Sul, mas poderão ser aplicadas a qualquer situação de emergência com estado de calamidade pública reconhecida pelo estado ou pelo Executivo federal.
As normas deverão se restringir a ações emergenciais que precisem ser adotadas em função da urgência de atendimento para dar continuidade aos serviços públicos ou não comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares.
Atualmente, a lei de licitações já prevê a dispensa do procedimento para situações semelhantes, mas ao contrário do projeto, impede a aplicação em obras e serviços cuja conclusão supere um ano e veda a prorrogação dos respectivos contratos ou a recontratação de empresa já contratada dessa forma.
O uso das regras dependerá de um ato específico do Executivo estadual ou federal, conforme a origem do orçamento, com a fixação de um prazo para a vigência.
Rio Grande do Sul
No entanto, especificamente para o Rio Grande do Sul, a vigência será até 31 de dezembro de 2024, igual à do decreto legislativo que reconheceu a calamidade para fins de uso de crédito extraordinário por fora da meta fiscal.
O texto permite ainda ao Executivo federal suspender, até 31 de dezembro de 2024, prazos processuais e de prescrição de processos administrativos de aplicação de penalidades em andamento em razão do estado de calamidade pública no estado.
Duração dos contratos
Quanto à duração dos contratos firmados com base nessas regras, eles terão duração de um ano, prorrogável por igual período, desde que as condições e os preços permaneçam vantajosos para a administração pública e enquanto houver necessidade de enfrentamento da calamidade.
Contratos de obras e serviços de engenharia que têm um prazo determinado para se encerrar (escopo predefinido) poderão prever três anos para a conclusão, podendo haver prorrogação automática até o término do objeto.
Além disso, a administração poderá estipular cláusula que estabeleça a obrigação de o contratado aceitar até 50% de acréscimos ou supressões no objeto contratado com as mesmas condições iniciais. O usual, conforme a lei, é de 25%.
Já os contratos em execução na data de publicação da autorização de uso das regras excepcionais poderão ser mudados para enfrentar situação de calamidade. Para isso, deverá haver justificativa, concordância do contratado e não implicar mudança do objeto, com limite de aumento de até 100% do valor inicialmente pactuado.
Contrato verbal
Além da dispensa de licitação, o PL 3117/24 abranda outras regras da nova lei de licitações:
- reduz pela metade prazos mínimos para apresentação de propostas, lances e aviso sobre compras públicas de menor valor;
- permite prorrogar por um máximo de doze meses contratos vigentes próximos do encerramento;
- possibilita firmar contrato verbal de até R$ 100 mil se a urgência não permitir a formalização de contrato; e
- permite adotar regime especial de registro de preços criado pela medida
Uma das principais mudanças feitas por Bohn Gass no texto é quanto ao contrato verbal. Eles poderão ser utilizados somente quando uma licitação padrão não puder ser substituída por outros procedimentos com menor formalidade, tais como carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução de serviço.
Além disso, devem ser formalizados depois de 15 dias, sob pena de nulidade dos atos praticados.
Estimativa de preços
Outras mudanças para esse tipo de contratação emergencial são a dispensa de estudos técnicos preliminares, até mesmo para obras de engenharia; uso de gerenciamento de riscos somente na gestão do contrato e admissão de projeto básico simplificado.
Sobre a estimativa de preços, ela poderá ser obtida por um dos seguintes parâmetros:
- se o custo unitário for menor ou igual à mediana do item correspondente nos sistemas oficiais de governo;
- seguir contratações similares feitas pela administração pública;
- utilização de dados de pesquisa publicada em mídia especializada, de tabela de referência formalmente aprovada pelo Poder Executivo e de sites especializados ou de domínio amplo;
- uso de pesquisa realizada com os potenciais fornecedores; ou
- pesquisa na base nacional de notas fiscais eletrônicas.
Os orçamentos obtidos com essa estimativa de preços, entretanto, não impedem a contratação por valores maiores “decorrentes de oscilações ocasionadas pela variação de preços”. Para isso, deve haver negociação prévia com os demais fornecedores, segundo a ordem de classificação, na tentativa de obter condições mais vantajosas, e fundamentação da administração da razão da variação de preços praticados no mercado.
No caso de obras e serviços de vias públicas, o custo global de referência deverá ser obtido preferencialmente a partir de valores do Sistema de Custos Referenciais de Obras (Sicro) ou do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices de Construção Civil (Sinapi) para as demais obras e serviços de engenharia.
Dispensa de regularidade fiscal
A administração poderá, nas situações de calamidade, dispensar a apresentação de regularidades fiscal e econômico-financeira se houver apenas fornecedores ou de prestadores de serviço sem a documentação.
A autoridade competente deverá justificar a medida e poderá restringir os requisitos de habilitação jurídica e técnica ao estritamente necessário à execução adequada do objeto contratual.
Registro de preços
Na modalidade de compra por registro de preços, outras facilidades são permitidas quando houver estado de calamidade.
No regime especial criado, órgãos ou entidades federais poderão aderir a atas de registro de preço do estado ou dos municípios atingidos e o estado poderá aderir à ata gerenciada pelos municípios atingidos.
Para viabilizar essa adesão, o órgão responsável pelo registro dará prazo de 2 a 8 dias úteis, contado a partir da divulgação de intenção de formar esse registro, para que os outros órgãos se manifestem.
Depois de 30 dias da finalização do registro com a assinatura da ata, o órgão responsável realizará, antes da contratação, estimativa de preços para verificar se os preços registrados permanecem compatíveis com os praticados no mercado, fazendo o reequilíbrio econômico-financeiro se necessário.
Será permitida ainda a participação de outros órgãos em atas de preços feita apenas com a indicação das unidades de contratação e o valor máximo da despesa, sem informar o total a ser comprado.
Esse regime especial valerá inclusive para contratação de obras e serviços, inclusive de engenharia, em todas as hipóteses citadas, mas apenas se for com projeto padronizado, sem complexidade técnica e operacional ou se existir necessidade permanente ou frequente de obra ou serviço a ser contratado.
Na lei de licitações, o uso do registro de preços para obras e serviços de engenharia é permitido se algumas condições forem seguidas, como pesquisa de mercado ampla e prévia e desenvolvimento obrigatório de rotina de controle.
Devido às novas adesões de outros entes federados, a quantidade dos itens listados no registro de preços para compra não poderá ser superior a cinco vezes o previsto inicialmente.
A exceção será para o sistema federal, gerenciado pelo Ministério da Gestão e da Inovação, que não precisará seguir também o limite da lei de licitações de duas vezes o quantitativo inicial.
Transparência e garantia
Todas as compras ou contratações realizadas com base na no PL 3117/24 deverão ter alguns dados divulgados no Portal Nacional de Contratações Públicas, tais como:
- nome da empresa contratada e CNPJ;
- prazo contratual e valor;
- detalhamento do bem ou serviço adquirido e local de entrega ou de prestação do serviço; e
- valor global do contrato, de parcelas do objeto e dos montantes pagos.
Quando houver, excepcionalmente, apenas uma fornecedora do bem ou prestadora do serviço, será possível a sua contratação mesmo ser ela estiver suspensa ou impedida de contratar com o poder público.
No entanto, essa empresa deverá prestar garantia de execução do contrato, limitada a 10% do valor da contratação e nas modalidades previstas na lei de licitações.
Segundo essa lei, obras consideradas de grande vulto, por exemplo, com valor estimado maior que R$ 200 milhões, devem ter garantia de 30%.