Repercussão paroquial
Dois trabalhos científicos chamaram a atenção para uma característica peculiar da produção científica da China: o volume desproporcional de citações a seus artigos feitas por pesquisadores do próprio país asiático. Um deles foi uma análise produzida pelo Instituto Nacional de Política Científica e Tecnológica do Japão (Nistep), que avaliou mais de 1 bilhão de citações de artigos científicos de alto impacto em 25 nações, entre 2020 e 2022, e indicou que, nos 10% dos artigos mais citados da China, 62% das referências vêm de pesquisadores do país. A taxa supera largamente a dos Estados Unidos, com 24% das citações com origem doméstica, da Itália, com 13%, ou do Canadá, com 6%. O estudo foi incluído em um relatório anual oficial, os Indicadores japoneses de ciência e tecnologia 2024.
O desempenho chinês teria origem em uma série de combinações, segundo os autores do estudo. De um lado, há uma estratégia deliberada de instituições de pesquisa da China em publicar em revistas de alto impacto, o que atrai citações de pesquisadores de outros países. O rápido crescimento da comunidade de pesquisadores chineses e uma cultura de apoio mútuo, chamada guanxi, impulsionariam as citações internas. “A China faz pesquisa de alto impacto, mas a alta proporção de autocitações é algo que precisa ser considerado ao avaliar comparações e rankings internacionais”, afirmou o analista bibliométrico do Nistep, Murakami Akiyoshi, à revista Science.
O segundo estudo foi publicado em maio no repositório do National Bureau of Economic Research (NBER), dos Estados Unidos, de autoria de economistas da Alemanha, Estados Unidos e China. O trabalho, um documento para discussão ainda não avaliado por outros pesquisadores, analisou outro recorte da produção científica mundial: artigos publicados entre 2000 e 2021 em 461 periódicos de 20 grandes campos do conhecimento que estão entre os 10% mais citados do mundo, segundo classificação da empresa Clarivate.
Os resultados do estudo, intitulado “Tigre de papel? Ciência chinesa e viés doméstico em citações”, mostraram que 57,2% das citações de artigos produzidos na China são provenientes de pesquisadores do próprio país, o maior índice entre as nações avaliadas. Nesse estudo, os Estados Unidos aparecem com 37,1%, a Índia com 26,8%. Como esses países têm comunidades científicas grandes e a repercussão de suas produções acadêmicas tende a ser significativa internamente, os economistas criaram uma técnica analítica para avaliar se o desempenho estava dentro do que poderia ser esperado, dadas essas variáveis, e descontar os efeitos de um eventual viés doméstico exagerado nas citações.
Concluíram que há, sim, um exagero na performance chinesa e que o país cairia do segundo para o quarto lugar no ranking global de pesquisa de impacto, atrás dos Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha, quando os indicadores de citações são ajustados pela técnica analítica que desenvolveram. De acordo com os autores do trabalho, as nações ocidentais que competem com a China se beneficiariam se fizessem uma avaliação mais realista do fôlego do país asiático.